Como deveria ser sempre a regra nas adaptações, “Na Estrada” é uma interpretação e não uma mera ilustração do livro. Sua estrutura essencial foi preservada, com o filme contendo ao mesmo tempo menos e mais do que no original.
Menos, com a inevitável seleção de episódios centrais e o descarte de vários outros. Mais, pois inúmeros detalhes, sobretudo da composição dos personagens, foram fisgados em obras posteriores ao livro.
É assim, principalmente, que no primeiro filme de aberta sensualidade de Walter Salles predomine um clima homoerótico, alguns graus além do registrado no próprio livro. Em tempos tão caretas, nada mais saudável do que um filme epidérmico em seu amor à vida, à aventura e ao prazer, seja este sexo, drogas ou literatura.
Cineasta da errância e da busca da identidade, Walter Salles parecia destinado a rodar “Na Estrada”, com as idas e vindas de um grupo de jovens dionisíacos da costa leste à costa oeste dos EUA no reacionário período imediato ao pós-guerra, entre 1947 e 1951.
Há mais acertos do que erros em sua arriscada aposta num elenco heterogêneo, encabeçado pelos ascendentes Sam Riley (de “Control”) como Sal Paradise, o alterego de Kerouac, e Garrett Hedlund (de “Tron: O Legado”) como seu novo melhor amigo Dean Moriarty, baseado no poeta beat Neal Cassidy.
A musa teen da série “Crepúsculo”, Kristen Stewart, no papel da primeira mulher de Dean, Marylou, é de todas a melhor surpresa, ofuscando o desempenho rotineiro de Kirsten Dunst (de “Melancolia”) como Camille, sua rival pelo amor dele. Viggo Mortensen faz uma ponta marcante como Old Bull Lee, inspirado em William Burroughs, enquanto Tom Sturridge erra feio o registro de sua composição do jovem Carlo Marx/Allen Ginsberg.
Há, claro, certa horizontalidade dramática, até nisso similar ao livro, episódios menos convincentes, como o pesadelo mexicano, arestas a aparar. “Na Estrada” é assim imperfeito, aliás como o original de Kerouac. Mas é agora — e finalmente — também belo cinema. Existem triunfos maiores do que Palmas de Ouro.
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