“Dois pés, duas pernas caminhando no asfalto, filmados em plongée com pouca luz. Som de passos e da respiração de um homem. Uma voz entra. Fala tanto quanto canta palavras que parecem ter nascido da noite. Um pouco mais de duas horas depois, outra batida, de dedos no teclado de uma máquina de escrever, marca o fim da viagem, o nascimento de um livro. Entre as duas ações, páginas foram viradas?
Uma fita se desenrolou, de suor e asfalto, de poeira e sonhos, um rolo começou a se cobrir de letras, que fará de Jack Kerouac o escritor que sempre quis ser, e outra fita, esta de película, deslizou entre as garras de um projetor: não ignoro que as projeções de hoje são digitais e, se resolvi esquecer isso de propósito é porque o rolo de Walter Salles parece a continuação do rolo de Kerouac.
Continuação e não equivalente, tampouco transposição, porque “Na Estrada”, o filme, leva também em consideração os anos que passaram, as mudanças que ocorreram no mundo e nas mentalidades desde que o livro foi escrito. Da mesma forma, é melhor não esperar do filme algum revival fúnebre: Jack Kerouac, Carolyn e Neal Cassady, Allen Ginsberg e William Burroughs, e todos os outros, fazem de fato parte da história. Têm os nomes e as máscaras que o escritor escolheu para eles, mas os atores que os encarnam existem também, que sejam famosos (Kirsten Dunst, Viggo Mortensen), conhecidos ou já vistos. Existem por eles mesmos e também para seus personagens, e o filme exigiu que vivessem mais do que interpretassem seus papeis.
É assim que, ao longo dos minutos, “Na Estrada” se impõe como um hino à juventude, muito mais que como uma série de retratos em ação dos atores da geração Beat, que aparece também, mas de maneira quase subsidiária. Da mesma maneira, os personagens, e o livro ainda menos, não escolhem o rumo do filme. Apenas a estrada dita sua lei, obrigando o cineasta, seus atores e técnicos a partir mais uma vez, e o espectador a seguir atrás deles que, muitas vezes, gostaria de se deter mais um pouco com Old Bull Lee, que é William S. Burroughs, que é Viggo Mortensen, lá pelas bandas de Algiers, na Louisiana, por exemplo. Mas não é possível se juntar a eles, os outros precisam ficar para trás, mesmo quando isso dói, sobretudo quando dói, para que, da aventura nasça um livro, para que, meio século mais tarde, do livro derive um filme, cujas circunstâncias e dificuldades de filmagem, a vontade de uns e os limites dos outros arrebentaram calibragens supostamente sólidas.
É assim que, ao longo dos minutos, “Na Estrada” se impõe como um hino à juventude, muito mais que como uma série de retratos em ação dos atores da geração Beat, que aparece também, mas de maneira quase subsidiária. Da mesma maneira, os personagens, e o livro ainda menos, não escolhem o rumo do filme. Apenas a estrada dita sua lei, obrigando o cineasta, seus atores e técnicos a partir mais uma vez, e o espectador a seguir atrás deles que, muitas vezes, gostaria de se deter mais um pouco com Old Bull Lee, que é William S. Burroughs, que é Viggo Mortensen, lá pelas bandas de Algiers, na Louisiana, por exemplo. Mas não é possível se juntar a eles, os outros precisam ficar para trás, mesmo quando isso dói, sobretudo quando dói, para que, da aventura nasça um livro, para que, meio século mais tarde, do livro derive um filme, cujas circunstâncias e dificuldades de filmagem, a vontade de uns e os limites dos outros arrebentaram calibragens supostamente sólidas.
É assim também que a parte de romantismo que existe em cada personagem, geralmente escondida, às vezes negada, sobretudo inconsciente, mas sempre presente, é levada em conta sem nunca contaminar o olhar dado aos personagens, a sua história, e até a sua forma de ingenuidade. É uma das razões pelas quais o filme toca tanto e de forma tão duradoura, que tenhamos tido em algum momento ou não o mesmo sonho que esses jovens, que tenhamos pego a estrada ou pensado em fazê-lo.
“De Rouille et d’Os”, o filme de Jacques Audiard, outro grande destque deste Festival de Cannes 2012, abre também com um plano de pés e de pernas caminhando. Penso nas palavras que Arletty disse um século atrás ao ver, em frente à fábrica de um subúrbio de Paris, um operário que, naquela manhã, não teve força para ir trabalhar: “Sou a favor de largar tudo, na vida”.
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